13 fevereiro 2014

(Fé)licidade

À Procura do Amor (Enough Said) de Nicole Holofcener

O que seria a vida senão uma eterna procura?
Estamos sempre a procura de algo, uma incessante busca por algo que nos preencha.

Buscamos um amor arrebatador que nos traga completude.
Buscamos um pouco de paz na arrebatação desse amor que encontramos.
Buscamos a satisfação no trabalho enquanto reclamamos da falta de qualidade de vida que temos na cidade grande... enfim.

Buscamos o que chamamos de felicidade.

E até que encontremos, não saberemos dar-lhe o nome que merece.
Queremos a segurança de uma certeza, de que podemos pisar e o chão não irá ceder facilmente.
Mas não...
Não há certeza na felicidade... por isso estamos sempre em busca dos pequenos momentos em que ela se apresenta e cometemos o erro... não, o erro não, o simples engano - nem sempre tão simples, porém mais comum que o desejado - de nos apegarmos muito a eles, a esses pequenos momentos, quando deveríamos vivê-los mais intensamente para que sua marca, quando os mesmos passarem, continue ressoando através de nós.

Perdemos tanto tempo ponderando, estabelecendo os medos, determinando os limites do que pode e do que não pode, colocando rótulos, dedos, enfim, obstáculos tantos que, muitas vezes, quando ela aparece, nem percebemos e deixamos de aproveitar a leveza de um momento que poderia ser mágico... e por que? por questão de nomenclatura? 

Paramos tanto para ouvir a opinião do outro a respeito do que fazemos - ou deveríamos fazer - das nossas vidas, que o sentir da coisa toda se perde no caminho, nas palavras "sábias" de terceiros que nem conhecem nossa cor favorita e já palpitam sobre o que ou quem é bom para a gente.

E sabe o que é pior?
Nós deixamos o "faça o que eu digo, não faça o que eu faço", muitas vezes, ditar o que é mais seguro para nós, e desistimos antes mesmo de tentar.
Sua experiência com algo ou alguém nunca será a mesma que a minha, por mais semelhante que as histórias possam parecer.
Eu sou um ser único... assim como você... assim como um terceiro qualquer que eu decida agregar a minha vida.

...

Não sou um sábio.
O que eu digo não se escreve.
O que eu faço, por vezes, é impronunciável.
Mas o pudor - e a falta dele - é só meu.

...

Eu quero experiências extremas e extremamente leves.
É isso... extremos!
É assim que eu quero.

Eu faço questão de sofrer o que for preciso num depois, se o durante for incrível... e não aceito menos que isso.

Não quero me machucar de novo...
E eu me pergunto: E quem quer?
E quantas vezes dizemos isso... 

Mas quero repetir a parte boa dos processos todos, e cada vez mais intensamente... 
Onde está sua fé? 
A parte ruim, bom, essa é inevitável, mas vem diferente com cada um... e nada de "eu sabia", eu quero é amar sem me preocupar com o porquê ou se é cedo ou tarde... eu quero amar sem balanças quantificando a qualidade e a importância de um sentimento que eu nem sei de onde ou como surge... se de um beijo ou um bom sexo, de um sorriso, um olhar ou de meia dúzia de encontros, pouco importa! quem está contando?
E essa é a minha busca...

Em nossas procuras todas, vivemos um eterno recomeço.
Enquanto não chegarem os próximos capítulos, vamos rabiscando as páginas em branco que nos forem dadas.

E boa sorte.

17 outubro 2013

Na varanda.


Veio num papel.
Não um papel qualquer, um meio pardo, amassado na varanda.

Sim, eu lembro que não temos varanda.
Mas se tivéssemos, ele teria sido encontrado lá.
Ainda assim havia um vaso de planta na porta. Sem plantas. Fiquei de luto quando nossa ráfia morreu seca de saudades suas e não a substitui.

O engraçado é que se você estivesse aqui diria que não foi secura de saudade, foi da minha desatenção em regá-la a causa da morte.
Eu, como de costume, iria rir sem argumentos.
Você não acharia graça, mas riria por mim. Ou de mim. Nunca decifrei aquele sorriso.

Mas não me tire a atenção com sua ausência, falava do papel.
Ou do que viria nele.

A notícia de um acidente de carro.
Tolo, assim como os que vemos todos os dias no telejornal local.
Sem sobreviventes para se aproximar ainda mais da realidade dessas tragédias diárias televisionadas.
Um amigo estava no meio.

Voltei a ler sobre os sobreviventes.
Procurei um tempo.
Ah!
Não constava essa palavra sem uma negativa antes.

Preciso dizer:
Não havia papel. Estou romanceando para reter qualquer coisa aqui dentro.

Eu ficava quieto quando queria chorar, você lembra disso?
Claro que lembra.
Você sempre perguntava se minha alergia estava atacada como fingido que não sabia.
Eu respondia que sim e você sorria de canto de boca atrás de mim quando eu não estava olhando.

Em segredo te digo:
Eu sempre estava olhando. E você sabia.

Morreu.
É o que falo quando me perguntam.
Frio?
Morreu. Faleceu. Partiu dessa pra melhor. Se foi. Nos deixou.
Qual a diferença?

- Tato, Márcio.
- Ele já morreu, não preciso mais me preocupar com nomenclatura.

Eu diria algo desse tipo, não é mesmo?
Fico intolerante à cortesias quando estou tentando ser forte.
Não me distraia.
Não consigo fazer essas duas coisas ao mesmo tempo.

Eu odeio me despedir.
E odeio a impossibilidade de fazê-lo.

Se eu pedir pra você ficar,
por hoje,
você fica?
A varanda está uma delícia hoje a noite...

06 setembro 2013

Híbrido de Olhos Claros

"É preciso começar de alguma maneira..."

Preservo as aspas pois não me parece minha a afirmação, tenho certeza de que a ouvi em algum lugar, passei os olhos por ela, mas não lembrarei onde.
Poderia ter sido por uma simples vírgula, dois pontos como nos ensinou Clarice em um de seus romances, uma interjeição...
Era preciso apenas um trecho, uma passagem qualquer da vida dele que nunca seria mais uma, nem tampouco uma qualquer.

Contradições.


(...)

Acordava cedo todos os dias, tomava seu suco com as laranjas que ele mesmo comprara na feira de sábado, saía rumo ao trabalho... mas trabalho já não havia. Há meses não havia. E ainda assim eu teimava em esquecer. Na verdade eu queria era lembrar... E ele lembrava. E é dele que eu preciso falar.

- Bom dia seu José.


Repetia religiosamente o cumprimento ao encontrar o zelador no térreo e se esforçava em sempre alternar os nomes, por não se dar ao trabalho de perguntar. Ele achava que uma hora acertaria e reconheceria num olhar de surpresa.


No caminho do trabalho ia fazendo listas do que era preciso melhorar...
- Preciso acordar mais cedo;
- Não deveria dormir tão tarde;
- Tenho que voltar pra academia;
- Preciso renovar minha carta de habilitação;
- E o meu carro hein? Será que consigo comprar até ano que vem?

É engraçado narrar isso... essas listas são mais que planos não realizados, é o diário que ele nunca escreve. São desejos bobos de uma rotina que podia ser mais interessante, mais desafiadora, mais bonita, que podia ser, por vezes, simplesmente mais! Às vezes acho que ele pensa assim...

E há um item que volta e meia o assalta pelas manhãs, num folheto colado na madrugada em um poste qualquer do centro, num comentário ou numa foto de rede social...

"Eu podia ir embora."

Mas pra onde? Como? Quando?

Ele não sabe, mas anseia, deseja. Ele trocaria seu nariz vermelho dos fins de semana por um par de asas... de um Pombo Correio, quem sabe, para poder saber o caminho de volta quando falta sentisse, mas com um canto bonito de pássaro que pudesse ecoar e deixar sua marca onde quer que ele fosse.

É isso. Um híbrido de olhos claros.

(...)

Eu podia estar aqui falando em mim, floreando uma história minha, criando detalhes narscisitas, mas não deixei de fazê-lo.
Estou alí do lado como observador constante, me inserindo nessa rotina, doando minhas laranjas, meus meses sem trabalho e criando uma estória nova, uma estória inventada.

Hoje, quando me perguntam o que sinto por ele, eu não sei dizer.
Falar em amor, em paixão, em desejo é tão fácil, até mesmo tão banal as vezes...

O que eu posso dizer é que quando penso nele eu penso em mar, eu penso em pôr-do-sol, eu penso brisa, eu tenho vontade de cantar uma música que eu gosto, eu penso num livro que me deu prazer em ler, eu penso num filme que gostaria de rever com ele, eu penso em sair por ai dançando sem vergonha de parecer ridículo, eu penso numa rede, em ninar no seu balanço, eu penso em me balançar e me perder, eu não penso em adormecer, mesmo dormindo eu só penso em acordar, em abrir os olhos, em mergulhar... me sinto um menino, me sinto um homem, um bicho, humano...

E eu penso e sinto tudo isso de uma só vez, todas essas linhas de palavras soltas contidas num nome que, pronunciado, desencandeia todas essas sensações em milésimos de segundos.

Se ele tem um nome?
Ele tem... tem sim... mas aprendi com uma canção em proteger esse nome por amor... não em um codinome qualquer, mas dos lábios pra dentro.

(...)

Ainda não me recordo de onde vem a frase inicial, sei apenas que era preciso começar de alguma maneira... era preciso começar...
Se vai durar?
O quanto nos permitirem.... e já será muito bom, pois seja o tempo que for, será pouco, pois vivemos uma eternidade todos os dias.


[Versão não definitiva do texto. Rascunho 2]