30 março 2010

.Pregos de Martha Medeiros.

Foi de repente. Dois quadros que tenho na parede da sala despencaram juntos. Ninguém os havia tocado, nenhuma ventania naquele dia, nenhuma obra no prédio, nenhuma rachadura. Simplesmente cairam, depois de terem permanecidos seis anos inertes. Não consegui admitir essa gratuidade, fiquei procurando uma razão para a queda, havia de ter uma.
Poucos dias depois, numa dessas coincidências que não se explicam estava lendo um livro do italiano Alessandro Baricco, chamado novecentos, em que ele descrevia exatamente a mesma situação: "no silêncio mais absoluto, com tudo imóvel ao seu redor, nem sequer uma mosca se movendo, eles, zás. Não há uma causa. Por que precisamente nesse instante? Não se sabe. Zás. O que ocorre a um prego para que decida que já não pode mais?".

Alessandro Baricco, não procurava desvendar esse mistério, apenas diz que assim é. Um belo dia a gente se olha no espelho e descobre que está velho. A gente acorda de manhã e descobre que não ama mais a uma pessoa. Um avião passa no céu e a gente descobre que não pode ficar parado onde está nem mais um minuto. Zás. Nossos pregos já não nos seguram.

Costumamos chamar essa sensação de "cair a ficha", mas acho bem mais poética e avassaladora a analogia com os quadros na parede. Cair a ficha é se dar conta. Deixar cair os quadros é um pouco mais que isso. É perder a resistência, é reconhecer que há algo que já não podemos suportar. Não precisa ser necessariamente uma carga negativa, pode ser uma carga positiva, mas que nos obriga a solicitar mais força dentro de nós.

Nascemos, ficamos em pé, crescemos e a partir daí começamos a sustentar nossas inquietações, nossos desejos inconfessos, algum sofrimento silencioso e a enormidade de nossa paciência. Nossos pregos são feitos de material maciço, mas nunca se sabe quanto peso eles podem aguentar. O quanto podemos conosco? Uma boa definição de felicidade: Ser leve para si mesmo.

Sobre os meus quadros: foram recolocados na parede. Estão novamente fixos no mesmo lugar. Até que eles, ou eu, sejamos definitivamente vencidos pelo cansaço.

3 comentários:

Frank disse...

Olá!
Sou um visitante que caiu aqui nas andandças da Net rss
Eu gostei bastante do seu texo.
Nesse, especificamente, achei parecido com minha forma de pensar (e até escrever).
Abraços

Anônimo disse...

acredito que a visão de baricco seja um pouco simplista, ou comformista acho que é palavra (sem usar comformista com conotação negativa aqui)...

se bem o tempo desafia a lógica em praticamente tudo, o prego caiu pois alguém não soube se antecipar ao evento; ou seja, não ouve manutenção preventiva.

acredito que para a maioria se não todas as circumstancias ligadas aos sentimentos, emoções ou a saúde mental (ie felicidade -excluindo forças que excedem nosso alcance- saúde física, doenças etc.) podem ser anticipadas ou previstas se existe o interesse.

tanto como a gente pode falhar em não se preocupar em trocar o prego depois de alguns anos, ou fazer aquele esforço para revitalizar o amor a uma pessoa (seja mudando de hábitos, fazendo uma viajem, mudando de prioridades...) visando novos projetos, empregos para não cairmos na zona de conforto por tempo demais...; podemos acertar olhando em volta ao que acontece ao nosso redor de vez em quando e fazer ajustes. a força do nosso "material maciço" estará assim ligado a assertividade e rapidez das nossas decisões. a pergunta original surge pois o quadro ficou pendurado por um determinado tempo importante - caso ele tivesse caído por ser de um peso superior depois de uma hora, ninguém levantaria a pergunta filosófica.

por isso, em vez de olhar atônito a caída de um quadro, a pergunta deveria ser direcionada a porque ignorei o quadro esse tempo todo? até porque coloquei ele ali anos atrás? ainda gosto de olhar para ele?

a idéia, em fim, é que antes que ele caia e o tempo vença, deveriamos ter pendurado um novo quadro há um tempo - um que nos atraia o suficiente para preocuparnos que não caia.

agora evidentemente isto se aplica as pessoas que precisam de explicações e certa estrutura para ser felizes.

aqueles que se deixam levar pelo vento, nunca teriam percebido que o quadro caiu, ou se perceberam continuaram assistindo o seu seriado favorito como se nada tivesse acontecido... alimentando assim a ignorância para que esta possa alimentar a felicidade... ou entender que o destino assim o quis. o que suponho deve ser o caso do baricco. caiu. "oops".

JL

Heitor Nunes disse...

"Um avião passa no céu e a gente descobre que não pode ficar parado onde está nem mais um minuto. Zás. Nossos pregos já não nos seguram." Isso aqui realmente me tocou. Parabéns.